Qual a justificativa para impedir que comprimidos de THC cheguem aos que poderiam se beneficiar?
Não são poucos os benefícios potenciais da maconha. Na última coluna falamos sobre os efeitos adversos , apresentados no “The New England Jornal of Medicine”.
Explicamos que os estudos nessa área padecem de problemas metodológicos. Geralmente envolvem usuário que consomem quantidades maiores, por muitos anos, acondicionadas em baseados com concentrações variáveis de tetrahidroncanabidol (THC), o componente ativo.
Como consequência, ficam sem respostas claras as consequências indesejáveis no caso dos usuários, a grande massa dos consumidores.
Em compensação, o uso medicinal do THC e dos demais canabinoides dele derivados está fartamente documentado.
A descoberta de que os canabinoides se ligavam aos receptores CB existentes na membrana celular dos neurônios aconteceu em 1988. Dois anos mais tarde, esses receptores foram clonados e mapeados suas localizações no cérebro. Em 1992, foi identificada a amandamida, substância existente no sistema nervoso central, relacionada com os receptores, mas distinta deles.
A partir de então, diversos trabalhos revelaram que os canabinoides naturais ou sintéticos desempenham um papel importante no modulação da dor, controle dos movimentos, formação e arquivamento de memórias e até na resposta imunológica.
Pesquisas com animais de laboratório demostram que o cérebro desenvolve tolerância aos canabinoides e que eles podem causar dependência, embora esse potencial seja menor que o da heroína, nicotina, cocaína, álcool e de benzodiazepínicos, com o diazepam.
Hoje sabemos que o uso de maconha tem ação benéfica nos seguintes casos:
1) Glaucoma: doença causada pelo aumento da pressão intraocular, pode ser combatida com os efeitos transitórios do THC na pressão interna do olho. Existe, no entanto, medicamentos bem mais eficazes.
2) Náuseas: o tratamento das náuseas provocadas pela quimioterapia do câncer foi uma das primeiras aplicações clínicas do THC. Hoje, a oncologia dispõe de antieméticos mais potentes.
3) Anorexia e caquexia associada à Aids: a melhora do apetite e o ganho de peso em doentes com Aids avançada há mais de 20 anos, antes mesmo do surgirem os antivirais modernos.
4) Dores crônicas: a maconha é usada há séculos com essa finalidade. Os canabinoides exercem o efeito antiálgico ao agir em receptores existentes no cérebro e em outros tecidos. O dronabidol, comercializado em diversos países para uso ora, reduz a sensibilidade à dor, com menos efeitos colaterais do que o THC fumado.
5) Inflamações: o THC e o cabidiol são dotados de efeito anti-inflamatório que os torna candidatos a tratar enfermidades como a artrite reumatoide e as doenças inflamatórias do trato gastrointestinal (retocolite ulcerativa, doença de Crohn).
6) Esclerose múltipla: o THC combate as dores neuropáticas, a espasticidade e os distúrbios do sono causados pela doença. O Nabicimol canabinoide comercializado com essa indicação na Inglaterra, Canadá e outros países com o nome de Sativex, não está disponível para pacientes brasileiros.
7) Epilepsia: Estudo recente mostra que 11% dos pacientes ficaram livres das crises convulsivas com o uso da maconha com teores altos de canabidioil; em 42% o número de crises diminuiu em 80%; e em 12% dos casos a redução variaou de 25% a 60%. Canabinoides sintéticos de uso oral estão liberados em países europeus.
Com tal espectro de ações em patologias tão diversas, só gente muito despreparada pode ignorar o interesse medicinal da maconha. Qual a justificativa para impedir que comprimidos de THC e seus derivados chegue aos que poderiam se beneficiar deles? Está certo jogar pessoas doentes nas mãos dos traficantes?
No entanto, o argumento de que o uso de maconha deve ser liberado em virtude de efeitos benéficos que acabamos de enumerar, é insustentável: a imensa maioria dos usuários não o faz com finalidade terapêutica, mas recreativa.
Como diz o povo: uma coisa é uma coisa...
Acho que a maconha deve ser legalizada, sim, mas por razões que discutiremos em nossa próxima coluna.
Referência:
VARELLA, Drauzio. Efeitos benéficos da maconha. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2014.
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