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As armas de uma guerra por investimentos

Santa Catarina está há vários anos em guerra contra outros estados da federação e, mais recentemente, contra países como o Paraguai. É um conflito que ocorre dentro dos gabinetes, sem o conhecimento da maioria da população, no qual o objetivo final é a conquista de investimentos. Trata-se da chamada Guerra Fiscal. E a principal arma atende pelo nome de benefício ou incentivo fiscal.

Numa explicação simples, o benefício fiscal pode ser entendido como a concessão, por parte do governo estadual, para que um determinado produto ou setor da economia tenha condição especial no recolhimento de um tributo. Na prática, o contribuinte beneficiado, seja ele da indústria, comércio ou serviços, paga menos imposto. No caso dos estados, o principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Só em Santa Catarina, ele responde por 80% da arrecadação própria dos cofres públicos.

Em geral, o benefício fiscal é concedido na forma da redução da alíquota do ICMS a ser pago, como crédito presumido ou mesmo com a isenção total no imposto. Ao arcar com uma carga tributária menor, essa redução pode ser repassada para o consumidor final (com produtos mais baratos) ou mantida para aumentar (ou manter) a margem de lucro.

O objetivo dessa condição especial é auxiliar setores produtivos em dificuldade. Mas os benefícios fiscais se tornaram importantes mesmo em períodos de expansão da economia, como uma estratégia para trazer investimentos para o estado ou mesmos mantê-los por aqui.

"O benefício fiscal é uma arma indispensável", afirma o auditor fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina José Antônio Farenzena. "Se Santa Catarina não tiver mecanismos de defesa, perde suas indústrias para outros estados e até mesmo para outros países."

Critérios

José Antonio Farenzena


Conforme Farenzena, todos os benefícios são concedidos com base em estudos elaborados pela área técnica da Secretaria de Estado da Fazenda. Na maioria deles, são definidas quais as contrapartidas que o setor beneficiado tem que oferecer ao estado.

Ele afirma que os benefícios concedidos por Santa Catarina para importação foram importantes na atração de investimentos para as regiões portuárias do estado. "Santa Catarina não é o principal mercado consumidor do país, mas muitas importações entram pelo nosso estado e daqui vão para o restante do país."

Conforme a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), a política de benefícios propiciou um aumento de mais de 370% nas importações catarinenses, que saltaram de 3,4 bilhões de dólares em 2006 para 16 bilhões de dólares em 2014.

Há casos em que não há a necessidade de uma contrapartida específica para a concessão do incentivo fiscal. "Alho, suínos, madeira, por exemplo, a manutenção dos empregos, dos produtores, é a contrapartida", exemplifica.

Os benefícios trazem benefícios para todos?

Ao conceder um benefício fiscal, o estado espera manter ou ampliar investimentos em seu território. Ele abre mão de uma parte de sua arrecadação para recuperá-la com o aquecimento da economia ou dos negócios de um determinado setor produtivo. Mas é possível afirmar se realmente os incentivos resultam em benefícios para toda a sociedade?

Farenzena, afirma que os ganhos são, muitas vezes, indiretos. "Quando uma indústria vem para Santa Catarina, ela vai construir uma planta, vai movimentar a loja de materiais de construção, vai contratar. Isso gera para o cidadão comum renda, emprego", diz. "Mesmo se não houver ganho tributário, o cidadão vai ter emprego. Quando a pessoa tem emprego, tem renda. Ela consome. Esse consumo se traduz em maior arrecadação de ICMS", prossegue.

Setor emblemático

Um dos setores mais beneficiados com os incentivos em Santa Catarina é o têxtil. Por usar mão de obra de forma intensiva, é um dos que mais gera empregos no Estado, com 170 mil postos de trabalho.

As indústrias têxteis catarinenses foram atingidas pela concorrência com os produtos asiáticos. Além disso, são constantemente assediadas por outros estados. Para preservá-las em Santa Catarina, o governo concede crédito presumido de ICMS.

A Fiesc elaborou um estudo em 2018, denominado Incentivos à Economia, no qual aponta que mesmo tendo recebido em 2016 quase R$ 900 milhões em créditos presumidos, a manutenção do setor resultou em uma arrecadação superior a R$ 1,3 bilhão para os cofres públicos estaduais.


Queda percentual

A Fiesc fez uma comparação entre o montante de benefícios concedidos e a arrecadação de ICMS por Santa Catarina. Em 2011, por exemplo, o estado abriu mão de R$ 4,3 bilhões de receita e obteve uma arrecadação de R$ 15,1 bi. Em 2017, foram R$ 5,6 bilhões de renúncia para uma receita final de ICMS de R$ 25,1 bilhões.

Para a entidade, "numa conta simples: enquanto as receitas cresceram 66% de 2011 para 2017, o volume de incentivos aumentou apenas 31%, menos da metade."

A Fiesc também destaca que o volume de incentivos caiu percentualmente com relação à receita de ICMS: em 2011, eles representavam 28%; em 2017, equivaliam a 22%. "Nesse contexto, também salta aos olhos da opinião pública catarinense que o que aumenta mesmo, ano a ano, são as despesas com a folha de pagamento dos servidores públicos do Estado", ressalta a Federação.

O papel do Legislativo

Os benefícios fiscais têm merecido atenção especial da Assembleia Legislativa de Santa Catarina desde janeiro deste ano. Em dezembro de 2018, o Poder Executivo editou decretos que retiravam incentivos para produtos da cesta básica, da construção civil e de outros segmentos da economia estadual. Procurados pelo setor produtivo e preocupados com as consequências dessas medidas para a geração de emprego e renda no estado, os deputados se mobilizaram contra os decretos.

Mas o envolvimento do Parlamento catarinense com essa questão é antigo. Nos anos 1990, em duas ocasiões, o Legislativo estadual aprovou projetos de lei que autorizava o governo catarinense a tomar as medidas necessárias para defender o estado na Guerra Fiscal. Entre essas medidas, estava a concessão de benefícios fiscais.

Na década atual, em virtude principalmente da queda da arrecadação causada pela crise econômica, e diante de dificuldades para o pagamento de fornecedores por parte do estado, surgiram, no Parlamento, questionamentos sobre a viabilidade da manutenção dos benefícios.

No ano passado, a Alesc aprovou uma emenda ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019 que, pela primeira vez, estabeleceu condições para os benefícios. Primeiramente, toda e qualquer concessão deveria ser oficializada apenas após a autorização dos deputados estaduais.

Em segundo, estipulou que o estado deveria reduzir até 2022 a renúncia fiscal com os benefícios para, no máximo, 16% da arrecadação. Para isso, uma comissão da Secretaria de Estado da Fazenda deveria fazer a revisão dos incentivos vigentes.

Em março, após um acordo entre os líderes partidários, a Alesc aprovou um projeto que adiou para o prazo limite (31 de julho) a entrada em vigor dos decretos editados pelo Executivo em dezembro passado. O projeto também revogou o limite para renúncia fiscal com os benefícios e concedeu até 31 de maio o prazo para a Fazenda entregar a revisão dos benefícios ao Parlamento.

Setor produtivo defende manutenção dos incentivos

A Agência AL ouviu as principais entidades representativas do setor produtivo catarinense a respeito do tema benefícios fiscais. Todas foram unânimes em garantir que os incentivos são necessários para manter o nível de emprego e renda no estado e que sua retirada traria danos enormes à economia catarinense e à arrecadação tributária.


Comércio, serviços e indústria

Bruno Breithaupt, presidente da Fecomércio


O presidente da Fecomércio-SC, Bruno Breithaupt, afirma que os benefícios surgem como uma maneira de corrigir distorções e estimular a competitividade da economia. "Não se pode abrir mão dos benefícios, sob pena de comprometer a geração de renda e emprego." Os setores representados pela federação, conforme o dirigente, recebem 2,4% dos benefícios concedidos pelo estado. Mesmo assim, os impactos para a economia catarinense são relevantes.

Pela FCDL/SC, o presidente Ivan Tauffer afirma que os incentivos fiscais auxiliam os lojistas na manutenção de seus negócios e no investimento em novas tecnologias. "É preciso também manter a concessão de benefícios dentro de patamares que os iguala aos incentivos dos estados vizinhos, para não perdermos a competitividade."

A Fiesc considera que os incentivos são, na realidade, um investimento social, uma vez que o apoio à atividade econômica mantém ou cria empregos, gera renda e melhora a arrecadação. "O problema do estado brasileiro não reside na falta de recursos arrecadados por meio de tributos, mas pela má gestão do que se arrecada e pelo reconhecido gigantismo das estruturas administrativas", afirma a entidade.


Contrapontos

Economista e doutor em Administração, Arlindo Rocha


Embora a concessão dos incentivos fiscais tenha resultados positivos, há questionamentos a essa estratégia.

Professor do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Esag/Udesc), o economista e doutor em Administração Arlindo Rocha estuda o tema benefícios fiscais há mais de 20 anos. Ele reconhece aspectos positivos nessa estratégia, mas acredita que, ao final, os resultados permanentes para o poder público e para o setor produtivo não são bons.

"O incentivo fiscal, ao meu ver, é nocivo às economias dos estados e do Brasil. No curto prazo, os efeitos são positivos, pois há aumento nos investimentos e na oferta de emprego. Mas a partir do médio e longo prazo, reduzem a arrecadação", afirma Rocha.

Outro problema, na avaliação do professor, é a dependência causada pelos incentivos. Para ele, o mais adequado seria atacar os vários pontos que comprometem a competitividade da indústria, com a realização de uma reforma tributária e a redução da burocracia por parte de governos que "gastam mal e gastam muito. Essa política [dos benefícios fiscais] eterniza a ineficiência dos setores e cria uma certa dependência", afirma o economista. "Por outro lado, nossa carga tributária é extremamente alta. O melhor para resolver o problema da competitividade é reduzir essa tremenda carga em cima do setor produtivo, deixar que as empresas entrem em competição real, inclusive com o exterior."

Para Rocha, os benefícios deveriam ser concedidos apenas em situações pontuais, como dificuldades setoriais ou crises econômicas. "É possível usar os incentivos principalmente em setores intensivos no uso de mão de obra. Mas há um problema: eles têm que ser curtos, sob o risco de criar dependência. O setor se acomoda, não consegue mais se livrar dos incentivos e perde competitividade." O economista também questiona o impacto dos incentivos à população. Para ele, a redução do imposto não chega necessariamente ao consumidor final e serve para manter ou aumentar as margens de lucros das empresas.

Por que os benefícios estão em processo de revisão?

Em fevereiro deste ano, o secretário de Estado da Fazenda, Paulo Eli, afirmou, em sessão especial na Alesc, que o governo terá que revisar todos os incentivos fiscais e encaminhá-los ao Parlamento para que eles sejam transformados em lei até 31 de julho. Este prazo foi estabelecido num convênio entre o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e os estados, com o objetivo de convalidar e reinstituir os benefícios concedidos pelas unidades da federação.

"Os governos faziam a concessão por decreto ou por portaria. Com a Lei Complementar 160/2017 e a decisão do Tribunal de Justiça sobre o artigo 99, e também por decisão do Confaz, para a Alesc, não restou alternativa a não ser incluir na LDO a questão dos incentivos fiscais, trazendo para dentro do parlamento essa questão", explica o deputado Marcos Vieira (PSDB), presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia.

"A Assembleia é a Casa do povo. Aqui tem que ser discutido tudo que é de interesse da sociedade. Quais os segmentos que passam a ter direito aos benefícios? Por que trazer outras empresas oferecendo tratamento diferente? A Alesc tem a competência de julgar qual segmento terá direito a benefício", completa o parlamentar.

Déficit

O governador Carlos Moisés da Silva (PSL), assim que tomou posse, em janeiro, anunciou a revisão dos benefícios como estratégia para enfrentar o déficit nas contas estaduais, projetado em R$ 2,5 bilhões para 2019. "Vamos fazer uma análise criteriosa dessas isenções. Vamos verificar se o objetivo da isenção foi alcançado. Nosso objetivo não é quebrar nenhum segmento, até porque o governo depende de todos para arrecadar", afirmou Moisés, no dia 2 de janeiro.

No dia 25 de março, quando veio à Alesc para entregar a proposta da reforma administrativa aos deputados, o governador reforçou o compromisso com a revisão dos benefícios. "É um processo que caminha bem. Temos recebido vários setores da economia e ouvido as demandas para podemos revisar e garantir o que é melhor para o setor produtivo e para o Estado."

Opiniões sobre a revisão dos benefícios fiscaisOpiniões sobre a revisão dos benefícios fiscais

"A Fiesc está de acordo com que a política de desenvolvimento industrial seja avaliada e ajustada, desde que ocorra a partir do diálogo com as categorias econômicas representadas pela entidade. As alterações unilaterais por parte do governo nos incentivos para fazer frente a gastos públicos desmedidos comprometem o desenvolvimento econômico, prejudicando toda a população. Tão importante quanto o esforço da sociedade, é o esforço do governo em reduzir gastos, buscando o equilíbrio das contas públicas, para fazer frente a tempos de austeridade" . Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc)

"Concordamos que seja feita a revisão, desde que acompanhada de uma análise constante e criteriosa sobre o que os outros estados estão dando de incentivos para manter a competitividade frente às unidades federativas. A FCDL/SC entende também que a revisão de incentivos fiscais e as alterações em legislações tributárias devam ser debatidas com todo setor produtivo e poder público conjuntamente" . Ivan Tauffer, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL/SC)

"A revisão é positiva, mas terá que ser feita com mais diálogo entre os setores produtivos afetados e o governo, visto que o contexto é de competitividade acirrada entre os estados brasileiros. A medida trará ainda maior transparência aos benefícios fiscais em Santa Catarina, possibilitando uma distribuição mais eficiente entre os segmentos produtivos" . Bruno Breithaupt, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Santa Catarina (Fecomércio-SC)

"A questão deve ser tratada com prudência. Manutenção ou revogação deve ser estudada com cuidado, pois afeta renda e emprego, afeta a segurança jurídica de setores econômicos e a concorrência deles com outros estados e países. A discussão tem que ser feita com calma, estudando setor a setor, ouvindo o setor produtivo e a parte técnica, os auditores fiscais, que analisam os números e conhecem o cenário" . José Antônio Farenzena, do Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina (Sindfisco)

"Alguns segmentos econômicos têm, por lei, incentivos que já duram 15, 16, 18 anos. Normalmente, o benefício é concedido em razão de uma calamidade ou intempérie, ou em razão de uma crise financeira, ou ainda para atrair investimentos para Santa Catarina. Fazer a revisão é necessário. Eu pergunto: será que alguns desses segmentos vão continuar tendo esse mesmo direito? Cabe a Secretaria da Fazenda propor à Assembleia e ela aprovar ou não" . Deputado Marcos Vieira, presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Alesc.








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