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Maria Cunha, 97 anos de idade e histórias

Aos seus 97 anos de idade, Maria Antunes Cunha tinha um desejo: o de contar a sua história, e na tarde de quinta - feira (19) ela buscou na memória fatos que marcaram a sua vida, desde que mudou-se para a comunidade de Nossa Senhora Aparecida, interior do município de Abdon Batista.
Mulher falante, com traços belos e de personalidade forte, dona Maria diz ter nascido na região de Campos Novos no ano de 1918. Casou com João Cunha, com quem teve oito filhos, porém o destino trágico tirou a vida do esposo com pouco mais de dezesseis anos de casados, e desde então a mulher de vida simples, que nunca frequentou a escola e ajudava o marido sol a sol na lavoura, teve que sustentar a família e cuidar dos filhos sozinha, aos trinta e poucos anos de idade e nunca mais casou. "Tive que cuidar da roça sozinha, tinha os filhos pequenos, mas consegui colher o trigo naquele ano, que deu para pagar as contas", lembra dona Maria.
Há mais de sessenta anos reside no município de Abdon Batista e lembra com precisão de alguns momentos de sua sofrida vida. Dona Maria diz que nunca gostou de passear. "Minha vida foi trabalhando, roçava, plantava e passear somente pra visitar alguns parentes. Às vezes eu ia na missa com as crianças, pois tudo era longe e era difícil sair a cavalo", lembra.
Perguntada de como era o município de Abdon Batista naquela época, ela lembra que era um povoado pequeno e que ia sempre onde hoje fica a comunidade de Santo Antônio num moinho moer trigo. "Fazer as comprinhas eu que gostava de ir, pois a piazada se esquecia e o dinheiro era pouco e tinha que ver o que era mais preciso comprar. Ia sempre a cavalo, pois carro não existia naquela época".
A alimentação era a base da caça, porque sem energia elétrica era difícil armazenar carne. "Era eu quem saía caçar e muitas vezes sozinha. Lembro de uma noite que fui eu e o meu filho mais velho. Pegamos uma égua branca, uma candeia, uma caixa de fósforo, um facão sem cabo e os cachorros e saímos pra caçar. Lá pelas alturas os cachorros começaram a latir e um chegou perto e levou um tapa e caiu morto. Eu achava que não era tatu, que era um tamanduá, mas os tamanduá abraçam os carros e esse bicho deu um tapa e matou o cachorro, então vi que não era e quando fomos ver era um tigre. Foi de perder até a candeia e os fósforos. Mas eu virava a noite caçando, deixava o filho mais velho cuidando dos mais novos e ia", comentou dona Maria, que diz ter sido picada uma vez por uma cobra, mas nunca chegou a matar uma pois tinha medo. "Eu andava de pé no chão, vi muita cobra mas sempre desviava porque tinha medo". O chimarrão também fazia e ainda faz parte da rotina da senhora, que lembra que acordava de madrugada para tomar umas cuias antes de ir para a roça.
Depois que os filhos casaram - e é algo que ela sente orgulho é de ter conseguido casar todos os filhos, ela ficou morando sozinha e é algo que ela faz até hoje, apesar de ter um filho que morou a vida toda em uma casa próxima, mas ela diz nunca ter sentido medo de morar sozinha. "Quando a gente é nova a gente sente um pouco de medo, mas depois a gente garra juízo e muda".
A senhora parou de ir para a roça há mais ou menos uns três anos, devido a falta de visão. Perguntada de como viveu tantos, com ar de risos ela diz que: "só Deus sabe".
Por alguns momentos os olhos se enchiam de lágrimas e as palavras indicavam que a senhora de cabelos brancos, havia passado por momentos difíceis em sua vida. "Era uma época difícil, mas eu gostava, com todo o meu sofrimento, pois sofri nas mãos do pai e depois do marido. Ele era enérgico e pouco ajudava em casa. Foi difícil, mas a gente têm alegria, porque tem os filhos e Deus, mas sofri muito e agora estou sofrendo em ter que deixar minha casinha". Dona Maria Cunha terá que deixar sua casa e suas terras, pois o local onde ela reside há mais de sessenta anos são terras Quilombolas e serão entregues aos descendentes de escravos que viveram nessa região há mais de cem anos.
Terras Quilombolas na região de Campos Novos e Abdon Batista
As terras em que hoje dona Maria reside há mais de cem anos eram habitadas por escravos, estes venderam suas terras por valores baixos e passado todo esse tempo os descendentes buscaram na justiça o direito de voltar para as terras. E esse pedido foi aceito pelo Governo Federal e os moradores serão indenizados e terão que deixar suas terras, casas e toda uma história de vida. Como é o caso de dona Maria, que mora no local há mais de sessenta anos e com 97 anos de idade terá que se desfazer de toda uma história que ficará guardada na memória.
Entre os municípios de Campos Novos e Abdon Batista, são aproximadamente 8 mil hectares de terras que serão desapropriadas e passadas para as famílias Quilombolas. Hoje cerca de 30 famílias já vivem no local e muitas outras devem vir em breve, pois o prazo para as famílias saírem das terras encerra no dia 1º de janeiro de 2016 e somente de Abdon Batista são em torno de 35 famílias que deixarão suas casas e terras.
Todos esse processo está sendo desencadeado pelo Ministério Público Federal e na quarta - feira (18), dona Maria esteve em Joaçaba para assinar os papéis. Com os olhos tristes declarou não querer sair da casa onde viveu grande parte da sua vida, criou os filhos e fez sua história. "A gente teve que assinar, mas renegada, isso é uma judiaria que estão fazendo pra gente. Eu queria morrer aqui, pedi pra Deus, mas vou ter que sair depois de tanto tempo. Eu só tenho que aceitar, não tinha outra solução", fala ela.
Deixando as suas terras, a senhora irá morar com um filho em uma propriedade próxima. O filho Mário e a nora Iracema estão acompanhando todo o processo e auxiliando dona Maria na mudança que deve acontecer em breve.
Daqui a três anos ela completa 100 anos e perguntada se irá comemorar a data com uma festa, ela diz que se estivesse na sua casa ela aguentaria, mas não sabe se chegará aos 100 anos. Dona Maria já tem seis gerações após ela e acharia interessante reunir todos, algo que nunca conseguiu fazer.
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