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Perdão

O poder do perdão. Assumir um erro, repudiá-lo e demonstrar arrependimento.

O poder do perdão. Assumir um erro, repudiá-lo e demonstrar arrependimento, de um lado, e ser capaz de afastar a sensação de injustiça causada por uma ofensa, do outro ? eis a equação de uma das atitudes morais mais nobres e emocionalmente complexas já criadas pela civilização ocidental.

"Para as ofensas, a maior arma é o esquecimento. É no esquecimento que se igualam vingança e perdão", escreveu o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) sobre Jó, o mais fervoroso protagonista do Velho Testamento.

Um dos mais belos textos bíblicos, o Livro de Jó conta como o mortal foi devastado pelos efeitos do que parecia ser a princípio uma simples aposta entre Deus e Satã. Para provar a Deus que toda a devoção a ele se devia às graças concedidas aos mortais. Satã propôs um experimento com Jó. Deus permitiria que, passo a passo, Satã fosse tirando a riqueza, a saúde e, finalmente, o amor da família e o respeito dos amigos do seu fiel seguidor. Jó então abandonaria sua fé. Pois o homem de fé perdeu sua fortuna, viu seu corpo ser coberto de chagas, um a um seus filhos morreram e ele se tornou alvo do escárnio e da humilhação por parte dos amigos. Jó, porém, perseverou na fé e esqueceu as provocações. A mensagem dos céus foi passada (por ter muita fé, um homem pode se achar merecedor de fortuna, saúde e amor, mas isso nada vale se aos olhos de Deus ele é um pecador) e Jó, antes de recuperar tudo que tinha em dobro, diz-se arrependido e pede perdão ao Senhor.

A ideia de perdoar exige um processo de mão dupla é empregada com naturalidade nas mais diversas instâncias da vida contemporânea ? entre marido e mulher, entre colegas de trabalho, entre nações, entre empresas e consumidores. Trata-se, no entanto, de um conceito recente em termos históricos e que reflete um conquista ética da civilização ocidental.

"Até o Iluminismo, no século XVIII, o pedido de perdão só existia com a intermediação divina", diz Konstan. No sistema moral da Grécia antiga, por exemplo, não havia admissão de culpa. Os erros humanos eram frequentemente atribuídos ao caprichos dos deuses. O sentido moderno do perdão se materializaria nas reflexões éticas do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que transferiu do plano divino para o humano a virtude do perdão. O moderno conceito de perdão, com reconhecimento culpa, arrependimento e disposição do ofendido para absorver o ofensor, marca o ápice das conquistas éticas da civilização ocidental.

Jesus, nos Evangelhos, manda perdoar e pedir perdão a Deus, que arbitra se concede ou não essa dádiva.

É no reconhecimento dos erros que se igualam perdão e paz de espírito.

 

Referência:

Revista Veja ? edição 2175 ? ano 43- n. 30. 28/ 06/2010 ? pp. 128/134

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