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NOVA LEI
PALMADA: CRIME OU EDUCAÇÃO?
Entrou em discussão no Congresso um projeto de lei para coibir a prática de castigos corporais em crianças e adolescentes. Apresentado na quarta- feira (14) pelo presidente Lula, o projeto acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) , um artigo que concede a eles o direito de serem cuidados e educados pelos pais ou responsáveis sem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante – definido, pelo texto, como qualquer tipo de conduta humilhante.
De acordo com informações da Agência Brasil, há penalidades previstas para o pai ou responsável que bater em uma criança, como encaminhamento a programas de proteção à família, orientação psicológica ou, se for o caso, encaminhamento do filho a tratamento especializado. Que outras mudanças esse projeto vai trazer à sociedade que, de um modo geral, acha que a palmada é um meio de educar? Os pais vão ser presos se baterem em seus filhos? Ou vão poder dar um tapa vez ou outra? Ainda não sabemos. Mas a iniciativa pode mudar o jeito de pensar das famílias brasileiras.
PALMADA EDUCA?
Alguns pais estão resgatando o autoritarismo da educação tradicional, ameaçando ou batendo nos filhos, com o falso argumento de que a nova geração precisa de disciplina e de obediência. Algumas escolas particulares também fazem propaganda de seu método rigoroso e disciplinador, atraindo principalmente os pais fracassados e autoritários camuflados desejosos pela terceirização da educação dos filhos.
A ‘pedagogia da palmada’ vem influenciando até mesmo alguns especialistas que acreditam que é preciso colocar freio na indisciplina.
Palmada em casa e palmatória na escola
O castigo físico em crianças foi introduzido no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI, causando indignação nos indígenas, que repudiavam o ato de bater em crianças. A correção, como explica a historiadora Mary Del Priore, no livro História das Crianças no Brasil, era considerada uma forma de amor. O excesso de carinho devia ser evitado porque fazia mal aos filhos. A relação entre os pais e suas crianças teria de ser o espelho do amor divino, segundo o qual, amar é castigar os erros e dar exemplo de vida correta. Os castigos disciplinares devem ser aplicados não apenas para corrigir as chamadas ‘malcriações’ e ‘birras’ como também serve para sacudir a preguiça que é considerada culpada de muitos erros e ignorâncias desde cedo no espírito da criança.
A perspectiva judaico-cristã sempre foi favorável por uma educação por meio de castigos físicos. A historiadora comenta que "a partir da segunda metade do século XVIII, com o estabelecimento das chamadas aulas régias, a palmatória era o instrumento dessa época, dirigido aos professores”.
“Ao expulsar os jesuítas de Portugal e de suas colônias, em 1760, o Marquês de Pombal pôs fim à principal forma de educação vigente no Brasil. Segundo o pesquisador Luiz Kelly Martins dos Santos, a Reforma Pombalina foi catastrófica porque era um plano político, não pedagógico."O alvará assinado pelo rei de Portugal e aplicado no Brasil (seria precursor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira) introduziu normas punitivas a professores e alunos - nestes últimos, podia-se aplicar castigos físicos como palmatória e ajoelhar-se no milho"[2].
A ideologia e eficácia dos castigos físicos
No estudo de Michel Foucault (1977) o uso do castigo físico faz parte de um sistema de controle de uma sociedade investida do sentido da ordem e da lei. A vigilância enreda a todos, e não apenas as crianças. As instituições do século 18, ligadas por uma espécie de ‘rede’ de crenças, valores e hábitos, geraram um sistema de vigilância, controle e punição desde a família, até prisão, passando pela escola ou serviço militar. A educação tradicional era autoritária porque podia impor, todo o seu saber e poder para “torcer o pepino desde pequeno”. Era um sistema educativo que acreditava ser preciso formar um cidadão “disciplinado” para ser “dócil” a nova ordem moderna. Mas em nossa época denominada pós-moderna querer resgatar o castigo físico como método educativo, além de ser um contra-senso é uma prática fora de lugar. Os pais que ousam bater nos filhos, no fundo, carecem de palavras e de espírito democrático. Funcionam como o terrorismo que através de seu ato – bruto, rude, bárbaro - pretendem eliminar o sentido das palavras e o valor do diálogo na construção do verdadeiro sujeito. Mais ainda, eles acreditam que são donos do corpo dos filhos assim como era o senhor de escravos; alguns professores ainda vivem no mundo delirante dos anos 70, acreditando que podem dirigir os corpos, os corações e o futuro dos seus alunos.
Alain [Émile Chartier -1868-1951) outro pensador francês, embora sendo conservador e positivista, já em sua época recomendava, primeiro, aos pais “educar”, e a escola “ensinar”. Cada qual deve fazer bem a sua função. Os pais devem “educar” com firmeza, “mas não com pancadas”.
Há controvérsias se deve ou não usar de vez em quando uma palmadinha, como recurso último para interromper a repetição das birras ou ‘malcriações’ infantis que indicam ruptura dos limites aceitáveis. A posição favorável ao uso de “palmada” sinaliza que esse natural uso da “a mão aberta” (e não o uso de instrumentos como o cinto, o chicote, que extrapolariam o sentido de correção educativa) tem intenção de ser um ato complementar à educação por palavras. Todavia atualmente existe a tendência no mundo ocidental que a palmada não funciona como método educativo, pelo contrário, causa ressentimento, dor, ou seja, pode causar um efeito contrário à educação. O ato de bater reforça, sem dúvida, o autoritarismo e sadismo do mais forte sobre o mais fraco, no caso, a criança, termina ficando ressentida e com raiva. Existe suspeita de que o ato de bater pode levar o agressor a uma compulsão à repetição, isto é, a adquirir prazer e gozo sádico em bater.
O professor da Faculdade de Educação da USP e escritor de vários livros sobre educação e ensino escolar, Julio Groppa Aquino e a psicóloga e colunista da Folha de S. Paulo, Rosely Sayão, disseram em uma mesa-redonda em Maringá que, quando bem posicionados no seu papel de pai e mãe não precisam usar de violência para corrigir erros ou evitar reincidências dos filhos. Por exemplo, existem atividades passíveis de “negociação”, como a hora de chegar em casa, mas existem as “obrigatórias” - tais como tomar banho ou ir à escola mesmo não gostando - dependem do posicionamento dos pais como autoridade para que os filhos obedeçam. Ou seja, se os pais perderam o autocontrole e partem para agressões físicas, é porque já vinham abdicando o lugar de autoridade necessário aos pais.
Vivemos numa época de crise de paradigmas, inclusive no campo da educação. Ninguém tem a verdade e existe confusão quanto qual a melhor maneira de educar. A falta de bom senso de alguns pais, bem como também a contradição entre a teoria e a prática de outros supostamente melhor preparados são visíveis e comentados. Pena que nunca os pais ficam sabendo diretamente sobre o seu erro, salvo quando são chamados na escola ou quando vão à terapia. Conhecemos educadores profissionais que dizem serem contra o castigo físico, mas o desmentem na prática. Quando tomam consciência sentem culpa. Há quem não usa castigo físico, mas abusa de castigo psicológico, que pode ser ter efeito mais traumático para a formação da personalidade da criança. Castigo psicológico não deixa de ser também uma forma de violência que marca para sempre a alma do sujeito com sofrimento, embora deixe intacto corpo da vítima.
Para a ABRAPIA (Associação Brasileira Pais, Infância e Adolescência), violência psicológica é rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, desqualificação, negligência, bullying (intimidação, perseguição e isolamento da criança), omissão de responsabilidades e punições exageradas. Por exemplo, punir uma criança para ficar em casa enquanto toda a família viaja de férias, é uma violência psicológica que em nada contribui para a sua educação. Nesse caso, no fundo, a motivação básica dos pais não é educar, mas projetar sua raiva, se auto-enganando que estão fazendo a coisa certa.
Quem castiga esquece, quem é vítima jamais esquece. Uma criança pode receber um castigo e não entender qual é a ligação dele com seu erro. Por isso, sempre temos que explicar a diferença entre o “certo” e o “errado”, e criar condições para ela saber antecipar os efeitos de seus atos e poder refleti-los depois. Basil Bernstein demonstrou que as explicações “elaboradas” são mais entendidas pela criança do que as simples ordens e proibições, chamadas por ele de “código restrito”. Ou seja, segundo o sociolingüista, a criança atende melhor um pedido do tipo “por favor, abaixo e som, que estou atendendo ao telefone”, do que apenas a ordem seca: “Desligue isso”.
Educa bem os que usam bem as palavras, atos, acompanhados de olho-no-olho, de silêncio grávido de sentido; acertam na educação dos filhos os pais que sabem – e tem coragem – de escutar. Pais que falam palavras vazias, que fingem ser o ‘amigão’, abdicando-se de sua autoridade de pais, podem estar cometendo uma fraude educativa. Castigos e punições, como também dar prêmios sem merecimento, podem causar efeito negativo na formação do futuro cidadão.
Equilibrar palavras e atos assertivos, sem recorrer o uso de violência física, é fazer da educação uma arte e nova ética para uma nova geração que poderá ser mais democrática e mais feliz.
GOVERNO ENVIA AO CONGRESSO PROJETO DE LEI QUE PROÍBE 'PALMADAS' EM CRIANÇAS
Vale lembrar que, no caso de lesões corporais graves, o responsável é punido de acordo com o Código Penal, que prevê a pena de 1 a 4 anos de prisão.
. Caso aprovado, pais, professores e cuidadores de menores em geral podem ficar proibidos de beliscar, empurrar ou mesmo dar "palmadas pedagógicas" em menores de idade. “Eu me considero uma criança abençoada, porque não lembro da minha mãe ter batido em um filho. Eu nunca bati nos meus filhos. Não é necessário bater”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao defender o projeto na cerimônia dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O presidente afirmou ainda que confia que os congressistas vão, não só aprovar, como também aperfeiçoar o texto.“Tenho consciência de que o Congresso irá aperfeiçoar, irá conseguir fazer melhor [o projeto] do que nós mandamos. Temos consciência de que alguns conservadores irão fazer disputa conosco. Mas esse é o debate bom. E temos que mostrar que nós estaremos atentos para garantir que as crianças sejam crianças.”
A medida visa garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais ou "tratamento cruel e degradante". Atualmente, a Lei 8.069, que institui o ECA, condena maus-tratos contra a criança e o adolescente, mas não define se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Com o projeto, o artigo 18 passa a definir "castigo corporal" como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente". Para os infratores, as penas são advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica.
"A definição proposta se aplica não só para o ambiente doméstico, mas também para os demais cuidadores de crianças e adolescentes - na escola, nos abrigos, nas unidades de internação. O projeto busca uma mudança cultural", diz a subsecretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira. Segundo ela, "1/3 das denúncias no Disque 100 refere-se à violência doméstica, seja na forma de negligência ou de maus tratos".
Será necessário o testemunho de terceiros - vizinhos, parentes, funcionários, assistentes sociais - que atestem o castigo corporal e queiram delatar o infrator para o Conselho Tutelar. Vale lembrar que, no caso de lesões corporais graves, o responsável é punido de acordo com o Código Penal, que prevê a pena de 1 a 4 anos de prisão para quem "abusa dos meios de correção ou disciplina", com agravante se a vítima for menor de 14 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Ao discursar durante a cerimônia de comemoração dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta quarta-feira (14) o projeto contra castigos físicos afirmando que “punição e chicotada” não resolvem os problemas de educação e ainda disse que “nunca” bateu nos filhos dele.
“Se punição e chicotada resolvesse o problema, a gente não tinha corrupção no país. Não tinha tanto bandido no país. A gente acha que está correto enfrentar esse problema porque ele está na nossa casa”, afirmou Lula. “Eu me considero uma criança abençoada, porque não lembro da minha mãe ter batido em um filho. Eu nunca bati nos meus filhos. Não é necessário bater”, complementou.
O presidente disse confiar no trabalho do Legislativo e na aprovação e aperfeiçoamento do projeto contra castigos físicos: “Tenho consciência de que o Congresso irá aperfeiçoar, irá conseguir fazer melhor [o projeto] do que nós mandamos. Temos consciência de que alguns conservadores irão fazer disputa conosco.
Fontes: Agência Estado, Agência Senado e Vote Brasil
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