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A carta democrática

Por João Maria da Silva joãomaria.ag@gmail.com

 A Constituição mantém na essência os valores que a inspiraram  e que dão ao país a segurança institucional necessária para que se viabilize, mesmo que parcialmente, o que se proclamou em 1988.

Um quarto de século é tempo suficiente para consolidar as instituições e suas relações com todas as manifestações da cidadania. É esse o tempo em que está em vigor o documento que assegura as garantias constitucionais e faz prevalecer a ordem democrática no país. A Constituição brasileira está às vésperas de completar 25 anos de sua promulgação e, por mais que se insista em apontar deficiências e defeitos, que se sobressai numa comemoração são certamente as suas melhores virtudes.
A Carta magma é excessivamente detalhista, em muitos casos define direitos sem que se aponte as obrigações correspondentes, falta ser regulamentada em muitos pontos, já passou por pelo menos 80 emendas e infelizmente tem seus princípios ignorados pela grande maioria da população. Nada disso a desqualifica, nem mesmo a desconexão, em muitos aspectos, entre suas determinações e a realidade do país.
Aprovada depois de longo período da ditadura, a Constituição representou avanços que muitas lideranças consideravam impossíveis. Resistiu às pressões para que, de um lado, fosse conservadora demais e, de outro, excessivamente progressista. Balanços feitos  sistematicamente apontam que foi a lei possível, com alguns trechos que poderiam ter sido evitados, com outros que exigem ainda hoje nova abordagem, mas com um conjunto amplamente positivo. O que a carta de 1988 assegura é a hegemonia de uma figura que democracias sólidas reconheciam há séculos e que no Brasil ainda era quase desprezada – o cidadão, a quem governos, políticos e instituições devem satisfação e a garantia de direitos individuais e coletivos.
O brasileiro contemplado pela carta constata, no entanto, que o resultado do esforço dos constituintes está muitas vezes com confronto com suas demandas cotidianas. São ignoradas, para citar exemplos básicos, as regras definidas para o acesso universal à saúde pública e à educação, exatamente porque União, Estados e municípios não compartilham, em ambos os casos, o cumprimento do que está escrito. É excessiva também a concentração de poder e de recursos pela União, enquanto as unidades federativas e os municípios são cada vez menos autônomos e dependentes da boa vontade do poder central.
Na área da estrutura e da representação política, o país enfrenta distorções crônicas, com excesso de partidos, e erros recentes, como a adoção, por uma das tantas emendas, do instituto da reeleição, que contribuiu para o aumento do clientelismo e da corrupção. Mas o que importa é que a Constituição mantém na essência os valores que a inspiraram e que dão ao país a segurança institucional necessária para que se viabilize, mesmo que parcialmente, o que se proclamou em 1988.
 
Opinião da RBS. A Carta Democrática. Diário Catarinense, Florianópolis, 30 de setembro de 2013.
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