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Em tempos de pandemia, cuidar da saúde mental é fundamental

O mês de janeiro que ficou para trás alguns dias, chama a atenção para um assunto já abordado nessas páginas, mas que agora mais do que nunca, devido a pandemia do Coronavírus assolar o mundo há cerca de 2 anos, é preciso ser abordado não só nesse mês, mas o cuidado com saúde mental deve ser o ano inteiro e o 'Janeiro Branco', vem justamente para chamar a atenção para as questões mental e emocional.

Para falar um pouco mais sobre o assunto, o jornal Correio dos Lagos, conversou com a psicóloga Delina Macan, que atua na área há 16 anos e reside em Anita Garibaldi há 14 anos.

Delina é formada em psicologia e tem especializações em psicóloga clínica com experiência no atendimento de adultos, crianças e adolescentes, com abordagem em TCC - Terapia Cognitivo-Comportamental, formação em Tanatologia e Terapia Sexual para casais. Ela é natural de Joaçaba e trabalha atualmente em consultório próprio nas cidades de Anita Garibaldi e Campos Novos.

Correio dos Lagos - Na sua opinião, qual a importância do Janeiro Branco?

Delina Macan - Sua importância é no sentido de chamar a atenção da população para as questões e necessidades relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas.

Correio dos Lagos - Qual o perfil das pessoas que procuram as suas consultas?

Delina - A grande maioria são mulheres, porém atendo todos os perfis. As crises de ansiedade têm sido a maior procura por atendimento pelo público feminino. Os jovens adultos por questões relacionadas à irritabilidade; autolesão; pensamentos suicidas (desejo de morrer), com ou sem planejamento; rompimentos amorosos e transtornos alimentares. Tem aumentado a procura de atendimento infantil, especialmente nas questões de luto, separação dos pais, conflitos familiares, falta de atenção e concentração e bullying, que são aspectos que influenciam na sociabilidade e aprendizagem. Há, também, a procura pelo atendimento de casais pelas diferenças individuais (conflitos) que interferem na convivência conjugal, as brigas, separações, perda da alegria na convivência, do respeito pelo outro e da intimidade sexual.

Correio dos Lagos - Como você avalia as pessoas hoje, pós momentos severos de pandemia e o retorno gradual das atividades?

Delina - Eu acredito que as pessoas, na grande maioria, anseiam pelo retorno normal das atividades. Algumas ainda mantém receio da contaminação do Covid-19, porém com a chegada das vacinas, gradualmente, esse medo vem se perdendo. Com a nova variante, a ômicron, observamos um retorno do cenário de alta contaminação, embora que a letalidade seja menor, há riscos de evolução da gravidade sintomatológica e, consequentemente haver óbito. Fica aqui o questionamento: o quanto meu comportamento preventivo está contribuindo para a elevação dos números dos casos, como também o adoecimento e agravamento da contaminação pelo covid-19?

Quais as dificuldades que esse público enfrenta?

Delina - O aumento dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais durante a pandemia pode ocorrer por diversas causas com o distanciamento social, minando o contato próximo entre as pessoas, algo tão importante para a saúde mental. O convívio prolongado dentro de casa aumentou o risco de desajustes na dinâmica familiar. Somam-se a isso as reduções de renda e o desemprego, que pioram ainda mais a tensão sobre as famílias. Apesar do retorno gradual das atividades, das aulas, dos eventos sociais, as relações humanas estão se reconstruindo, porém há pessoas que preferem ainda ficar isoladas, pois esqueceram ou temem se relacionar fisicamente, de como é ter encontros/namoros, relacionar-se no trabalho e retorno da rotina após a pandemia. E, ainda, as mortes de entes queridos em um curto espaço de tempo, juntamente à dificuldade para realizar os rituais de despedida, dificultando a experiência de luto e impedindo a adequada ressignificação das perdas, aumentando o estresse. Esses cenários não são independentes, ou seja, uma pessoa pode ter sido exposta a várias destas situações ao mesmo tempo, o que eleva o risco para desenvolver ou para agravar transtornos mentais já existentes. Temos ainda as sequelas pós-covid-19, ou seja, alguns agravos decorrentes da contaminação pelo coivd-19. Há muitas queixas e relatos referentes à saúde física e mental. Aí fica o questionamento: o quanto estamos contribuindo para o agravamento, sofrimento e enlutamento da população mundial em decorrência do covid-19?

Obs.: sobre esse tema, estarei publicando, em breve, um artigo no livro "Sofrimento e Luto" organizado pelo prof. Aroldo Escudeiro (fundador da Rede Nacional de Tanatologia). O artigo discorrerá sobre: uma doença chamada síndrome pós-covid e seu acometimento.

Correio dos Lagos - Você sentiu muita diferença nos atendimentos antes da pandemia, durante os períodos de isolamento e agora?

Delina - Sim, inclusive pela procura de atendimento online. A pandemia pode ter contribuído no agravamento de problemas e/ou dificuldades emocionais pré-existentes. O que se percebe é uma humanidade enlutada, não apenas aqui em Anita Garibaldi mas em todo o mundo. O luto que falo é decorrente de diferentes perdas ocorridas com a pandemia, seja uma perda concreta ou simbólica. A concreta diz respeito à morte de pessoas próximas ou não e o luto simbólico é por perdas significativas como por exemplo separação, desemprego, saúde, entre outros. A dor e o sentimento é o mesmo do luto da morte.

Correio dos Lagos - Na sua visão, o período de isolamento devido a pandemia tanto em crianças como idosos, o que pode acarretar no futuro?

Delina - Eu diria que, tanto para idosos, crianças e adultos, persiste o medo ser socialmente excluído ou de morrer por uma situação de pandemia que parece nunca acabar; sentimentos de desesperança, tédio, solidão e depressão devido ao isolamento. Há um acúmulo de estressores que impacta na vida de cada um e também no trabalho. Muitos estão levando a culpa por ter se contaminado, outros, a incerteza sobre a recuperação e, ainda, temos os acometimentos no pós-covid.

Correio dos Lagos - A vida corrida das pessoas atualmente, a falta de tempo, má alimentação, a falta da prática de atividades físicas, isso contribui para a adoecer a mente?

Delina - Sim e muito. Nosso cérebro é energia pura, quando não repousamos o tempo necessário para que ele possa recuperar a energia necessária, que será utilizada durante o dia, iremos aos poucos adoecendo. Possuímos cerca de 100 bilhões de neurônios que são células do nosso cérebro, eles estão conectados entre si, assim como os celulares à internet e cada um possui uma função específica. Cito aqui a serotonina, que é o neurotransmissor responsável para evitar a ansiedade e depressão porque está diretamente ligado à emoção e ao humor. Doses baixas desse neurotransmissor podem resultar em distúrbios emocionais, problemas de controle da raiva, elevar a irritabilidade, desregular o ciclo do sono, etc. Ela é fabricada durante o sono regenerador e ininterrupto, portanto a insônia é o primeiro indicador que estamos adoecendo. 10% da serotonina é fabricada em nosso cérebro, os outros 90% em nosso intestino (considerado nosso segundo cérebro), então, nossa alimentação ou falta dela irá interferir em nosso estado de humor, equilíbrio emocional e também outro neurotransmissor, a dopamina, é liberada durante a atividade física e ajuda elevar a autoestima, daí a importância de colocarmos o corpo em movimento. Temos outros neurotransmissores igualmente importantes para nossa saúde mental como gaba, ocitocina, noradrenalina, acetilcolina, adrenalina, endorfina entre outros.

Correio dos Lagos - Depressão, síndromes e ansiedade. Qual sua visão sobre essas doenças?

Delina - Há um tempo atrás líamos pesquisas dizendo que a depressão seria a doença mais incapacitante, aquela que afastaria grande números de pessoas de suas atividades laborativas. O que se observa, atualmente, um crescente adoecimento e procura por tratamento psicológico e psiquiátrico decorrentes da ansiedade. Eu acredito, por evidências clínicas e observações no dia a dia da atuação profissional, que a ansiedade já é considerada o mal do século. Ela está afetando muito as crianças e, jovens adultos. Arrisco aqui em dizer que o agravamento da ansiedade está fortemente ligado ao uso exagerado do celular que interfere diretamente em nossos hábitos de vida e relações interpessoais. Eu, como profissional da saúde mental, não recomendo o uso de celulares, sem supervisão e monitoramento de adultos, para menores de 14 anos. A ansiedade é algo natural do ser humano, que acompanha desde nossa origem, para sobreviver na natureza dos perigos e estarmos preparados para fuga, porém, ela passa ser considerada como doença quando a pessoa antecipa sofrimentos ou sensações que ainda não vivenciou e isso gera um aumento de adrenalina no corpo que, ao mesmo tempo, provoca tensão muscular, aceleração da respiração e, consequentemente, o aumento dos batimentos cardíacos. Uma pessoa com tendência a ter pensamentos negativos irá interpretar essa sensação de forma catastrófica, ou seja, pensa que está tendo um ataque cardíaco, o que na verdade é uma crise de ansiedade. É muito comum as pessoas sentirem-se tensas, com dores musculares nos ombros ou atrás do pescoço, oriundas da ansiedade que impede os músculos de relaxarem e, assim não se dão conta dos sinais da doença e os sintomas físicos são formas de o cérebro chamar atenção para o problema. Elas até buscam fazer uma série de exames físicos e não encontram nada, gerando mais medo e intensificando a dor. O mesmo ocorre na depressão, apresentamos sintomas ansiosos na depressão e vice-versa. Fique atento no declínio do seu humor, quando começa a sentir tristeza, a ter choro fácil, anedonia, sono irregular, irritabilidade, isolamento, pensamentos sobre morte e autolesão. O indicado é sempre buscar ajuda com profissionais da área da saúde mental, psicólogo ou psiquiatra.

Correio dos Lagos - Que dicas você repassa para manter a saúde mental com qualidade?

Delina - Digo que "tudo" que é demais, os exageros, não é saudável, como uso de aparelhos eletrônicos (celulares, televisão, computador, tablets); comer em excesso que pode levar às doenças fisiológicas como obesidade e suas comorbidades como compulsão alimentar, ansiedade e depressão, diabetes, colesterol e etc.; mania de limpeza que está fortemente ligada ao TOC - Transtorno Obsessivo-Compulsivo; bebidas alcóolicas e tabaco que levam à dependência; e tantos outros. Há também aquilo que fazemos "de menos" em excesso, igualmente não saudável, ou seja, tudo pouco ou nada como: dormir, atividade física, comer e etc. Nossa vida é regada no equilíbrio e quando temos dificuldade em equilibrar nossos hábitos de vida e comportamentos, começamos a apresentar problemas em nossa saúde física, mental e condutas que oferecem riscos a si próprio e, também, no convívio social.

Dicas:

a) Ingestão de muita água - comece aos poucos e vai aumentando gradualmente a cada semana, até chegar ao recomendável de 2 litros ao dia;

b) Faça atividade física - não é o mesmo que atividade para emagrecer. Recomendamos caminhada terapêutica ou até mesmo dançar, o importante é colocar o corpo em movimento; praticar um esporte como jogos de futebol, vôlei, basquete, ciclismo e etc.

c) Repouso ou descanso - os adultos devem dormir 8 horas ininterruptas e as crianças e adolescentes, 10 horas. Procure fazer intervalos de 15 minutos durante os períodos de trabalho. Para quem estiver estudando para alguma prova ou concurso, efetuar pequenas pausas de 5 minutos a cada 40 minutos, para melhor assimilação de conteúdos a nível cognitivo.

d) Alimentação - dar mais atenção a dieta recomendada pelo seu médico e/ou nutricionista. Prefira alimentos frescos, principalmente frutas e verduras que ajudam prevenir ansiedade e depressão como: melancia, abacate, mamão, banana, tangerina, laranja e limão são conhecidos como agentes do bom humor, estas frutas são ricas em triptofano, aminoácido que ajuda na produção de serotonina. A laranja promove o melhor funcionamento do sistema nervoso, garante energia, ajuda a combater o estresse e previne a fadiga. Folhas verdes do espinafre, brócolis, alface. Sementes de abóbora que são ricas em magnésio, atuam no sistema nervoso central, evitando a insônia, a depressão e a ansiedade. Mel, carnes brancas e peixes que estimulam a produção de serotonina, exercendo grande influência no estado de humor, pois é capaz de reduzir a sensação de dor, diminuir o apetite, relaxar, criar a sensação de prazer e bem-estar e até induzir e melhorar o sono; dentre outros tantos.

e) Lazer - necessitamos muito para alívio do estresse e melhor repouso, pode ser roda de conversa com amigos ou familiares que é muito importante para fortalecimentos desses vínculos afetivos; viagem; passeios; acampamentos; pescarias; assistir jogos presencialmente em ginásios ou campos de futebol, dentre outros.

Nota: ansiedade e depressão têm cura. A pessoa não nasce ansioso ou depressivo, ela adoece. Toda doença tem tratamento e, para muitas, existe uma predisposição genética a ser considerada no diagnóstico. Existe ansiedade e depressão crônica assim como hipertensão e diabetes (hiperdia) que são consideradas as principais, porque foram "construídas" de acordo com nossos hábitos alimentares, da mesma forma para as principais doenças mentais. Digamos que "estamos" ansiosos ou depressivos e evitar a expressão "sou depressivo ou ansioso". Estar é muito diferente do que Ser.


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