Aprendemos desde muito cedo o que é ser um homem e o que é ser uma mulher, e acabamos reproduzindo esses papéis “naturais”. Por outro lado, o capitalismo cria a necessidade de sermos “preparados”, “treinados” por nossos pais e pela escola para a competição e a busca estressante por sucesso no mercado de trabalho.
Família e trabalho são duas esferas de nossas vidas. Vejam bem: no meu sobrenome carrego a marca da minha família paterna, de origem portuguesa. É da ordem do pertencimento sou da família Silva, pertenço a essa família. Quando nascemos já estamos marcados, anos mais tarde, escolhi uma profissão, um trabalho. Quando conheço alguém, apresento-me da seguinte maneira: “meu nome é João, sou pedagogo...”. Pretendo, com esse comentário, apenas demonstrar quando falamos de família e trabalho, estamos também falando de quem somos.
Aparentemente, família e trabalho são duas dimensões regidas por lógicas distintas: uma privada e outra pública. O primeiro aspecto refere-se às relações de gênero estabelecidas no âmbito privado, familiar, e que afetam o mundo do trabalho. Aqui se faz necessário estabelecer uma distinção entre sexo e gênero, mesmo que de maneira simples. Sexo refere-se às características biológicas de homens e mulheres. Já as relações de gênero são baseadas em uma construção social do papel atribuído ao homem e à mulher, daqueles socialmente aceitos e esperados para homens e mulheres.
A questão de gênero – Historicamente, o homem tinha o papel de provedor da família (esfera pública e produtiva de trabalho). A mulher, por sua vez, assumia a função de cuidadora das crianças e responsável pelas tarefas do lar (esfera privada e doméstica). Acontece que essa situação vem sofrendo transformações significativas, pois as mulheres estão, cada vez mais, inserindo-se no mercado de trabalho e sua remuneração se tornou essencial para a manutenção da família. Contudo ainda se acredita que as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos são funções “naturais” das mulheres.
A competitividade – O segundo aspecto que quero tratar aqui faz o movimento contrário: do público ao privado. Sabemos que uma das premissas e, ao mesmo tempo, consequências do capitalismo é a competitividade. Os melhores sobrevivem no mercado de trabalho, têm sucesso. Em nossa sociedade, ter sucesso significa ter dinheiro. Só que o dinheiro, que deveria ser um meio de alcançar um fim (manutenção da família, por exemplo), tornou-se um fim em si mesmo.
E, para ter sucesso, somos ensinados e ensinamos que elas precisam estudar para ser alguém na vida. Mas para ser alguém na vida precisamos, necessariamente, saber o que queremos fazer de nossas vidas aos 17 anos? Para ter sucesso precisamos ser aprovados num vestibular ou num concurso público?
A exigência é tamanha que, quando conseguimos algo importante, ou somos aprovados na escola no final do ano, escutamos a seguinte frase: “Você não fez mais do que a obrigação!”. Se tudo se transforma em obrigação, perdemos a alegria, o afeto e a graça de curtir a família. E quando não alcançamos o ideal, sentimo-nos. Afinal de contas, o que é mesmo o sucesso? O que é “ser alguém na vida”?
A consequência fundamental dessas relações que estabelecemos é que se impede uma pessoa ou grupo social (as mulheres por um lado, e os que não são alguém na vida, por outro) de alcançar seus objetivos , de viver sua vida em plenitude. Questionar essas relações estabelecidas é fundamental para que possamos tomar consciência de quem e porque somos assim e de como é o mundo que nos rodeia. Assim, talvez, consigamos estabelecer relações mais saudáveis e justas.
“Não basta ter uma boa mãe, precisamos ser bons filhos”.
ROMANINI, Moises. Família e trabalho: complexa relação. Mundo Jovem, Porto Alegre, maio de 2013.
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