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Longevidade irresponsável

 A precocidade da  fase reprodutiva impôs limites mais modestos à duração da vida.

Em 1900, expectativa de vida no nascer de um brasileiro era de míseros 33,7 anos.
Nossa espécie desceu das árvores nas savanas da África há pelo menos 5 milhões de anos. Passamos quase toda história  abrigados em cavernas, atormentados pela fome, pelas doenças infecciosas e por predadores humanos e não humanos. A mortalidade infantil era estratosférica; poucos chegavam aos 20 anos em condições razoáveis de saúde.
Milhões de anos de privações moldaram muitas de nossas características atuais.
A mais importante delas foi a maturidade sexual precoce. Vivíamos tão pouco que levavam vantagem na competição as meninas que  menstruavam antes e os meninos que produziam espermatozoides mais cedo. Quanto mais depressa concebiam filhos, maior a probabilidade de transmitir seus genes às gerações futuras.
A precocidade da fase reprodutiva impôs limites mais modestos à duração da vida. Em todos os animais, quanto mais tarde acontece o amadurecimento sexual, maior é a longevidade.
Nas drosófilas –a mosquinha que ronda  as bananas maduras-, quando selecionamos para reprodução apenas as fêmeas e os machos mais velhos, em três ou quatro gerações a vida média da população duplica. Se nossos antepassados tivessem começado a ter filhos só depois dos 50 anos, agora passaríamos dos 120 com facilidade.
O acompanhamento de coortes de centenários confirma essa suposição: mulheres  que engravidam   pela primeira vez depois dos 40 anos têm quatro vezes mais chance de chegar aos 90 anos.
A terceira, foi a necessidade de poupar energia. Em temporada de vacas magras, absurdo desperdiçá-la em esforços físicos desnecessários.
Somos descendentes de mulheres e homens que lutavam para conseguir alimentos altamente calóricos, porque deles dependia a sobrevivência da família. Como o acesso a eles era ocasional, nessas oportunidades comiam até não poder mais. Bem alimentados, evitavam movimentar-se para não malbaratar energia.
Durante milhões de anos  nosso cérebro privilegiou os mecanismos responsáveis pelo impulso da fome e economia de gasto energético, em prejuízo daqueles que estimulam a saciedade e a disposição para a atividade física.
De repente, veio o século 20, com o saneamento básico, as noções  de higiene pessoal, as tecnologias de produção e conservação de alimentos, as vacinas e os antibióticos. Em apenas cem anos, a expectativa de vida no Brasil atingiu os 70 anos; mais do que o dobro em relação à de 1900, feito que nunca mais será repetido.
A continuarmos nesse passo, em 2030 atingiremos a expectativa de 78 anos. A faixa etária que mais cresce é a que está com mais de 60 anos. Sabendo que atualmente 75% dessa  população sofre de enfermidades crônicas, a saúde pública  está preparada para enfrentar esse desafio?
Pelo andar da carruagem, é quase certo que não. Mas não é esse o tema que pretendo tratar neste sábado, leitor:  quero chamar a atenção para nossa irresponsabilidade ao lidar com o nosso corpo  
Aos 40 anos, você pesa dez quilos mais do que aos 20. Aos 60, já acumulou mais uma arroba de gordura, não resiste aos doces nem aos salgadinhos, fuma, bebe um engradado de
 cerveja de cada vez, é viciado em refrigerante, só sai da mesa quando está prestes a explodir e ainda se dá ao luxo  de passar o dia no conforto.
Quando se trata do corpo, você se comporta como criança mimada: faz questão absoluta de viver muito, enquanto age como se fosse um escravo forçado a suportar desaforos diários e a aturar todos os seus caprichos, calado, sem receber nada em troca.
Aí, quando vem a hipertensão, o  diabetes, a artrite, o derrame cerebral, ou o ataque cardíaco, maldiz a própria sorte, atribui a culpa à vontade de Deus e reclama do sistema de saúde que não faz por você tudo o que deveria.
Desculpe a curiosidade: e você, pobre injustiçado, não tem responsabilidade nenhuma?
Referência:
VARELLA, Drauzio. Longevidade irresponsável. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5 de maio de 2012.
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