O efeito protetor foi diretamente ao número de xícaras ingeridas diariamente.
Antes do primeiro café da manhã, sou um arremedo de mim mesmo.
Assim que acordo, sou capaz de executar tarefas mecânicase de correr duas horas seguidas, mas qualquer esforço intelectual antes da xícara de café com leite é um fardo insuportável. Meu cérebro permanece em modo contemplativo até a cafeína cair na circulação.
No meio da manhã, já em plena atividade, sinto uma vontade louca de repetir a dose;pouco mais tarde, a vontade retorna, irresistível. Se não soubesse que a cafeína tem vida longa no organismo, a ponto de o cafezinho das cinco da tarde interferir no sono da noite, seria daqueles que só vão para a cama depois de tomar o último.
Por culpa desse efeito estimulante, tomar café não faz parte do assim chamado estilode vida saudável. Como a cafeína está ligada a aumento do LDL (o “mau” colesterol) e a elevações transitórias da pressão arterial, sempre houve suspeita de que pudesse aumentar a incidência de doenças cardiovasculares, como infartos e os derrames cerebrais.
Os resultados dos estudos já realizados, no entanto, foram heterogêneos e inconsistentes com essa hipótese. Pelo contrário, alguns mostraram existir relação inversa entre o consumo de café e o aparecimento de doenças inflamatórias, diabetes, derrames, infartos e ferimentos acidentais. Mas, até aqui, nenhum inquérito populacional havia conseguido relacionar os níveis de consumo diário com a mortalidade.
Para responder se quem toma café vive menos tempo, um grupo americano dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) acaba de publicar o estudomais completo sobre o tema.
Por meio de um questionário, foramincluídos na pesquisa 229.119 homens e 173.141 mulheres saudáveis de ambos os sexos, com idades dentre 50 e 71 anos. A avaliação inicialcompreendia 124 itens relacionados com o estilo de vida e a dieta: consumo de vegetais,frutas, gordura saturada, carne vermelha ou branca e o total de calorias ingeridas.
Dos participantes, 79% tomavam café de coador, 19% café instantâneo, 1% expresso e 1% não especificou o modo de preparo. De acordo com o número de xícaras tomadas diariamente, o grupo foi dividido em dez categorias.
Comparados com os que não tomavam café, entre os consumidores havia mais fumantes, mais gente que tomava três drinques ou mais por dia e ingeria quantidades maiores de carne vermelha. Também tendiama apresentar nível educacional mais baixo, a praticar menos exercícios extenuantes e a comer menos frutas, vegetais e carne branca. Por outro lado, havia menos casos de diabetes entre eles.
Durante os 14 anos de seguimento dessa população, foram a óbito 33.731 homens e 18.784 mulheres.
De início, os dados pareciam mostrar que o consumo de café estaria associado ao aumento da mortalidade. Depois de eliminar fatores como cigarro (especialmente), sedentarismo e obesidade, entretanto, ficou claro haver uma relação inversa: quanto mais café, menor o número de mortes.
Além de diminuir a mortalidade geral, tomar café reduziu a mortalidade por diabetes, doenças cardiovasculares, derrames cerebrais, ferimentos, acidentes e infecções. As mortes por câncer não foram afetadas.
O efeito protetor foi diretamente proporcional ao número de xícaras ingeridas diariamente. A diminuição mais acentuada da mortalidade aconteceu no grupo de seis xícaras ou mais por dia: redução de 10% nos homens e de 15%nas mulheres. Essa associação foi independente da preferência por café descafeinado ou não, sugerindo que a proteção não ocorre por conta da cafeína.
O estudo que acabei de apresentar foi aceito para publicação na “The New England Journal of Medicine”, a revista médica de maior circulação, porque é o mais completo já realizado sobre o assunto.
Referência:
VARELLA, Drauzio. O café e a longevidade. Folha de S. Paulo. São Paulo, 02 de junho de 2012.
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