A partir de poucos dados você abre sua vida, achando que a chegada do amor dispensa qualquer cautela.
Quando você vai comprar um carro usado, chama um mecânico de confiança para dar uma geral e ver se ele está em boas condições; se se trata de um apartamento, procura conversar com os porteiros, saber se existem problemas no prédio, se a paz reina entre os moradores, e quem vai contratar uma doméstica, além de exigir que tenha carteira de trabalho, ainda telefona aos últimos empregos para indagar detalhes, tipo se tem bom gênio, se é cuidadosa, honesta, asseada, e a última, clássica: E “por que ela saiu de sua casa?”. Perguntas, vamos admitir, da maior indiscrição, mas perfeitamente cabíveis; afinal, é alguém que você não conhece e com quem vai conviver.
Aí um dia você acha graça em um homem e deixa que ele não só entre em sua casa como se instale em sua cama e em seu coração. Não sabe bem de quem se trata – ele passou dois anos na Europa, fazendo um vago curso de cinema –, mas, pela maneira como se veste, pelos amigos que tem e as simpatias pelo mesmo partido político, só pode ser gente fina. A partir desses dados, abre para ele sua vida, achando que a chegada do amor é um tal acontecimento que dispensa qualquer cautela.
Quanto aos homens, a situação também é grave; se ela é gostosa, segundo o padrão particular de cada um, é o que basta – e depois reclamam.
Mas um belo dia cada um começa a se mostrar como é, e nesse ponto as mulheres, mais dissimuladas que os homens, oferecem uma surpresa por minuto.
Aquela que era tão doce, suave, bem-humorada e resolvida escondeu o que realmente é: dominadora, prepotente e ciumenta. No começo, ele acha graça e até gosta de ter uma mulher tão apaixonada que tem ciúmes. Mas um dia, numa festa, quando está conversando com um amigo e os dois sérios, ela imagina que estão falando de mulher; se estão às gargalhadas, devem estar falando de mulher também, claro. Em qualquer dos casos, as consequências podem ser dramáticas: ela chega e diz “que engraçado, na hora em que eu chego o assunto acaba” ou “de que vocês estavam rindo?” – e eles estavam falando de mulher, claro –, o normal é ela ficar emburrada e voltar para casa sem dizer uma palavra. E quem aguenta uma mulher assim?
E ele? Por mais charmoso que seja, quando se conheceram estava sem emprego, dormindo na casa de um amigo – por uns tempos. Foi, aos poucos, se instalando naquele apartamento tão simpático, com aquela mulher que é um doce. Como trabalhar não é seu forte e cinema é uma profissão delicada, continuam assim por meses; afinal, estão se dando bem, ele vai ao supermercado, faz uma massinha quando ela chega do trabalho (ela, que é carente, finge que não percebe e esquece sempre um dinheirinho no cinzeiro). Afinal, ficar sem emprego acontece com qualquer um e, como é uma situação temporária, pra que mudar as coisas?
Por tudo isso e muito mais, antes de começar um namoro cada um dos interessados tem o direito, ou melhor, a obrigação de procurar saber como foi o ex do outro, as qualidades e os defeitos – e sobretudo, como foi a separação –, para avaliar se vai valer a pena o investimento emocional.
Mas talvez seja melhor não; se isso acontecesse, acabariam os casais neste mundo.
O jeito mesmo é correr o risco.
Referência:
LEÃO, Danuza. Ficha limpa no amor.
Folha de S. Paulo. São Paulo, l5 de abril de 2012.
Deixe seu comentário