Inclusão é o ato de fazer parte de algo e de estar inserido em um contexto.
No caso da inclusão social de pessoas deficientes significa torná-las participantes da vida ativa da sociedade.
Esse processo de adaptação vem gradualmente crescendo e é alvo de opiniões paralelas. A garantia da inclusão está disposta em leis que asseguram a integração em todos os segmentos sociais, em pleno gozo de respeito e direitos do Estado e Poder Público.
As sociedades antepassadas não aceitavam a deficiência, provocando uma exclusão quase total das pessoas portadoras desta. As famílias chegavam até a escondê-las da convivência com outros, isolando-as do mundo. Positivamente, o cenário mundial se desenvolveu levando a uma maior aceitação da deficiência devido ao surgimento de novos pensamentos e mentalidades. Esse interesse provocou o início do atendimento aos deficientes, bem como o aparecimento da educação especial destinada a um movimento de inclusão escolar e social.
Assim a sociedade aprendeu a ser mais inclusiva, compreensiva e solidária com a deficiência. Hoje, as crianças com deficiência frequentam a escola, saem a rua, brincam, vivem como uma criança dita “normal”. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que todas as pessoas se sintam integradas e apoiadas por todo o mundo.
Sabe-se que são inúmeros os obstáculos existentes para os deficientes, sendo a inclusão escolar uma das grandes barreiras no nosso país.
Seria a escola que acolhe as diferenças, que colabora, que convive, um bom princípio para combater a exclusão social?
Há os que são receosos a ideia de que inserir deficientes na escola ajuda na educação dos mesmos, e há aqueles que defendem a ideologia de que a frequência no meio educacional “normal” é um fator fundamental na prática da inclusão.
Em Anita Garibaldi três escolas foram entrevistadas, e todas trabalham com a inclusão de deficientes. A E.E.B. Pe. Antônio Vieira atende cinco alunos especiais, a E.E.F. José Borges da Silva mais sete estudantes, e a creche municipal também com sete portadores de deficiências. De acordo com os diretores das instituições, Dhian Barbosa e Isabel Borges, o foco é a aprendizagem e a socialização, que são bem correspondidos pelos alunos especiais.
Os alunos com deficiências de moderada a grave frequentam durante meio período a Escola especial - Apae e no contra-turno a escola normal, aqueles com deficiência leve frequentam somente a escola normal. Segundo a profissional de terapia ocupacional e a psicóloga da Associação de Pais e Amigos Excepcionais (APAE) anitense, Kerlly e Juliana, essa frequência na escola desenvolve principalmente o convívio social. “Um complementa o serviço do outro, os alunos que frequentam os dois tipos de escola apresentam um avanço positivo significativo”, comentaram as profissionais.
Perante a lei todos são iguais. Porém, as pessoas com deficiência possuem necessidades diferentes o que as tornam especiais. Desta forma, é importante existir direitos específicos para os portadores de deficiência, direitos que compensem, na medida do possível, as limitações e/ou impossibilidades a que estão sujeitos.
Em Santa Catarina, a presença de dois professores em turmas com deficientes é obrigatória, sendo que um destes fica com o aluno durante todo o tempo em que ele está na escola.
Na Escola José Borges recentemente foi inaugurada uma sala de recursos, onde todos os materiais didáticos são adaptados aos estudantes. Mas para a diretora Isabel, ainda há dificuldades a serem vencidas. Um dos problemas que dificulta a total eficácia na inclusão dos alunos especiais é falta de preparação de professores. “A lei veio antes da capacitação dos educadores, e os professores receberam um grande desafio”, disse. São poucos os profissionais da educação com capacitação específica para trabalhar com esses alunos.
A professora Claudete Suppi, que trabalha na Escola Pe. Antonio Vieira é uma exceção, pois tem especialização em educação especial. Mas mesmo assim, diz ter sido um desafio ser uma educadora especial: “No início fiquei insegura, o que é normal. Mas eu descobri um outro lado na minha própria vida pessoal, e hoje sou apaixonada pelo que faço e, principalmente, digo de todo coração que amo meus alunos”, afirmou a professora emocionada. Um dos alunos de Claudete é o menino Alisson Varela, de 10 anos, ele possui deficiência metal leve e motora, por isso frequenta os dois tipos de escola. Todos os dias, Alisson, usa o transporte escolar para se deslocar da sua residência na comunidade rural da Cachoeirinha até o colégio, e em meio aos colegas de classe se destaca pela inteligência e dedicação nos estudos.
Os segundos professores de ambas as escolas disseram usar uma didática que integra totalmente as atividades do aluno especial com os demais. Mas as profissionais da APAE alertam: “Embora que a escola integre socialmente e alfabetize, em certos graus de deficiência é fundamental que o aluno frequente um serviço especializado e individual, que exclusivamente, as escolas regulares oferecem, ou seja, as Apaes”, ressaltaram, que completaram dizendo a respeito da família no processo de inclusão, que é o aporte primordial. “O processo de aceitação da deficiência começa dentro de casa, e os pais precisam ser livres de preconceito e aceitar que seus filhos necessitam de atendimento especial, isso não quer dizer que tenha que deixar a escola normal, mas ele precisa frequentar a Apae para melhorar o seu desenvolvimento”, destacaram.
Uma professora e uma história de vida
Superação, dedicação, alegria e vontade de aprender cada vez mais são algumas das características que podem ser observadas no jovem Daniel Mendes Ferreira de 17 anos, o qual nasceu com deficiência visual.
Seu destino poderia ser o mesmo de muitas pessoas, porém com a determinação da família e a coragem de uma professora o trajeto de seu destino foi alterado e hoje ele vive uma vida normal como qualquer outro cidadão.
A família foi a peça fundamental que iniciou todo o processo para inseri-lo na comunidade escolar. O pai procurou a escola São Paulo de Tarso na época, quando o menino tinha seus sete anos de idade e ai começou as dificuldades, pois a escola e professores não estavam preparados para receber um deficiente visual.
O pai não parou no primeiro obstáculo e procurou a promotoria. No decorrer do processo a solução encontrada foi inserir Daniel no ensino regular, junto aos demais alunos no 1º ano do ensino fundamental, e foi nesse momento que surgiu uma figura muito importante, pra não dizer essencial na vida de Daniel.
Com todas as dificuldades e incertezas a professora Vera Lúcia Corrêa Brem, aceitou o desafio de lutar pelo jovem rapaz. Vera conta que devido a amizade com a família de Daniel e por conhecer de perto a realidade e a vontade do jovem em estudar ela foi se envolvendo, sem nenhum conhecimento, mas com muito anseio. “Lembro que o primeiro dia que ele chegou na escola eu fiz a maior burrada da minha vida, entreguei um papel e uma caneta pra ele escrever, ele riscou o tempo inteiro. A aula era de manhã e a tarde, e ele gastou uma caneta de tinta. Imagina como eu me senti olhando para aquele aluno riscando sem saber o que fazer e como agir, mas o mais importante e que ele estava ali junto com a turma”, lembra a professora Vera, que na semana seguinte já foi em busca de adquirir novos conhecimentos. “Na outra semana fui a Vacaria e a professora Vanda com seu conhecimento em braile me ajudou muito. Comecei a aprender para depois passar para o Daniel. Eu atendia os meus 19 alunos e mais o Daniel. Confesso que no começo foi difícil, mas aprendemos muito juntos”, enfatiza a professora.
Nesse período os pais compraram a primeira máquina em braile para o garoto, o que auxiliou muito na sua alfabetização. “ Geralmente existe um trabalho preparatório com os alunos que passam pelo pré-escolar e com o Daniel isso não aconteceu, mas sua força de vontade em aprender era tamanha que quando ele começou não parou mais. Lembro de um dos momentos mais felizes de minha vida, quando o Daniel durante uma aula se levantou, abriu os braços e falou que aquele era o dia mais feliz da vida dele, pois ele tinha aprendido a ler”, lembra a professora Vera com os olhos cheios de lágrimas.
Ela conta que ele sempre foi muito inteligente e todos os alunos queriam fazer provas e trabalhos com ele, principalmente de matemática. “O Daniel sempre leu muito, sempre foi destaque entre os demais”.
Vera trabalhou com Daniel por quatro anos, período em que buscou conhecimento, fez cursos de inclusão e lembra que contou com apoio da família e dos colegas de trabalho da escola São Paulo de Tarso para enfrentar o desconhecido. Hoje ela trabalha com mais 26 alunos inclusos no ensino regular e que frequentam a “sala de recursos”, um local específico para desenvolver atividades e promover a integração e a convivência com os diferentes alunos que apresentam alguma deficiência.
Em Pinhal da Serra ao contrário dos municípios da Região dos Lagos em que existe em sala de aula um segundo professor para atender o aluno vindo da inclusão social, no município gaúcho existe a “Sala de Recursos” que funciona diariamente e atende aos alunos em período de contra-turno e apenas um professor desenvolve as atividades em sala de aula.
A professora Vera destaca que o modo desenvolvido nos demais municípios está correto, bem como a existência das Apaes, porém ela acredita que deveriam ter as duas formas, o segundo professor e a sala de recursos ou no caso os alunos continuarem frequentando as Apaes normalmente, pois um complementa o outro. “O ensino regular é um desafio para o aluno e muitas vezes a exclusão acontece com os adultos, eu vejo que os alunos se interagem juntos, se sentem bem, só a Apae parece excluir do mundo, da realidade, mas quando eles estão inseridos aos demais alunos no ensino regular é visível a felicidade e suas mudanças. Acredito que eles precisam conhecer todas as realidades, e acho que as duas formas de inserção se complementam”.
A sala de recursos atende tanto alunos do município quanto alunos que frequentam a escola do estado. “A sala é da comunidade”, finalizou a professora.
Daniel, o menino que mudou a realidade de uma escola
O ano foi 2005, a escola São Paulo de Tarso em Pinhal da Serra e a turma a primeira série do ensino fundamental com um aluno com deficiência visual e mais 19 crianças na faixa etária dos 7 e 8 anos de idade, além de uma professora com vontade de ensinar e ao mesmo tempo aprender.
O Daniel pode-se dizer que mudou a realidade da escola e em algumas linhas tentaremos expressar como foi esse processo de alfabetização e de superação.
Correio dos Lagos: Como foi o início de sua vida escolar?
Daniel : No início foi difícil, pois ninguém tinha conhecimento. Eu escutava o ronco do ônibus quando ele ia buscar a minha irmã Deisi ,e eu dizia que queria estudar, eu sabia que já tinha idade pra ir pra escola e queria entender o porque que eu não ia, mas minha mãe dizia que um dia eu iria ir pra escola estudar. No início eu não tinha máquina pra escrever em braile, o pai comprou a minha primeira máquina e começamos ir em Vacaria uma vez por semana aprender o braile junto com a professora Vera . Na sala ela passava no quadro para os colegas e ia ditando pra mim e eu escrevia em braile.
Graças a Deus conseguimos juntos com a professora Vera,aprendendo e ensinando juntos, e no mesmo ano que comecei a estudar com a máquina já passei de ano e nunca reprovei . Hoje eu estou no segundo ano do ensino médio e só tenho que agradecer.
Correio dos Lagos – Quais foram as suas dificuldades?
Daniel: A gente não tinha ideia por onde começar, não só eu, mas a professora Vera também. Quando eu comecei a escrever em braile eu pensava que não ia aprender, eu pensava: o que são essas bolinhas? não vai dar nada. Pra mim era tudo a mesma coisa e parecia tão difícil, mas quando eu aprendi meu Deus... ficou tudo muito fácil. Os colegas também me ajudaram muito, eles ditavam as matérias pra mim, ajudavam no recreio, me levavam comer merenda, sempre tinha um colega junto. Naquela época eu não tinha a bengala para ajudar a me locomover pela escola, hoje é tranqüilo, uso a bengala e tudo fica mais fácil.
Correio dos Lagos – Qual a importância da professora Vera na sua vida?
Daniel: Muito importante, pois nós aprendemos juntos, ela me ajudou muito, ela estava aprendendo também, mas no mesmo tempo ela me ensinava, uma coisa muito boa.
Correio dos Lagos: Pretende seguir os estudos?
Daniel: Já pensei sim e quero, mas não sei ainda se o que eu quero eu posso fazer, porém pretendo continuar estudando. Minha ideia era trabalhar em rádio, uma coisa que eu gostaria muito.
Correio dos Lagos – Como surgiu a música e a gaita?
Daniel: Antes de eu começar a estudar o pai comprou uma gaita pra mim. Eu tinha uns seis anos e comecei devagarzinho. Não sabia nada. Ouvia os conhecidos tocarem e peguei gosto. Mais adiante comecei a fazer aula em Vacaria, eu fazia aula de braile e conciliava pra fazer aula de gaita. Depois iniciei aula de canto e gaita. A música faz parte da minha vida. Sempre participo de rodeios, vou junto com a invernada, participo nas modalidades de intérprete e gaita, e gosto muito. As pessoas me dão os parabéns e falam da minha superação. Isso faz parte da minha vida e não troco por nada.
Correio dos Lagos: Além da música, Daniel se destaca nos esportes e já recebeu algumas medalhas. Como é para você Daniel participar de tantas atividades?
Daniel: Eu participei em 2005 das paraolimpíadas em São Paulo, foi uma experiência muito boa, pois fui de avião. Lá participei de corridas, arremesso de peso e arremesso de pelota e ganhei três medalhas. Depois participei em Caxias e ganhei mais três medalhas, e esse ano vou participar de novo. O esporte faz parte das minhas atividades.
Correio dos Lagos – Outra atividade desenvolvida por você é o xadrez, qual a técnica utilizada para jogar um jogo tão difícil sem a visão?
Daniel: Conheci o xadrez na escola, com a professora Vanda em Vacaria. Lá ela me apresentou o xadrez adaptado, com pinos que se encaixam e com texturas diferentes, no tabuleiro também existia quadradinhos para encaixar as peças. Aqui na sala de recursos a professora Vera também adaptou um tabuleiro diferenciado, que eu jogo com meu amigo Otávio. Pra mim foi fácil de aprender e já participei de campeonato em Ipê - RS. Nesse tempo estava começando e participei pra aprender a jogar em competições. Lá eles jogam contra o relógio e como nunca tinha jogado acabei perdendo, foi difícil, mas depois ganhei duas e me animei.
Correio dos Lagos – As pessoas devem imaginar como uma pessoa sem visão consegue ler, e você demonstra que com a leitura em braile pode-se aventurar nas histórias. A leitura faz parte da sua vida?
Daniel - Gosto bastante de ler livros de todos os assuntos, até livros didáticos que ocupava para acompanhar os colegas em sala de aula. Numa lista que fiz que estão anotados, faltam alguns, mas são 364 livros entres histórias e didáticos. Um livro que acho interessante é o Tempo e o Vento de Érico Veríssimo. Em braile um livro desses é dividido em umas 14 partes. Os livros vêm para a escola, com todo o material próprio para deficientes visuais, como a revista Veja, livros de histórias e CDs.
Correio dos Lagos – Além dos livros em braile, existem outros programas que você utiliza, bem como o computador. Como é esse processo?
Daniel – Existem programas que eu utilizo no meu computador adaptado. Nele aprendi a digitar e uso tanto na escola como em casa. Tenho instalado alguns programas como o Dosvox e o MecDaisy, este último é um leitor de livro digital e vou descobrindo, tenho acesso a internet, hoje faço de tudo no computador. No início pra mim aprender no computador tinha um papelzinho com as letras em braile, hoje é um teclado normal e os programas que vão falando se eu abro uma tela e o que estou fazendo. Sei instalar programas. As vezes me confundo, mas vai dando certo.
Correio dos Lagos - Você imagina sua vida sem a escola?
Daniel: Pensando hoje e imaginando em como seria eu ficar em casa, ia ser muito difícil, eu não ia poder ler um livro, escrever... seria uma coisa bem cansativa e triste, eu não teria nada pra fazer. O conhecimento que tenho eu conquistei aqui e não ia ter isso, hoje eu convivo normal com os outros que não são deficientes visuais.
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