Quando a sombra do desconhecido chega às famílias, o medo e as dúvidas são inevitáveis, mas a força de vontade e o amor devem ser maior do que qualquer dificuldade.
Parecemos tão complexos quando comparados aos outros animais, que vivemos submersos nas dúvidas de nossa própria existência. Ao observarmos um pessoa em silêncio esperando o ônibus, vendo televisão, fazendo o jantar ou envolvida com qualquer outra atividade, podemos nos perguntar: o que ela está pensando? Às vezes nem mesmo elas têm a resposta, pois, além de complexos, seres humanos possuem mentes que ainda são cheias de mistérios, até mesmo para quem as estuda durante a vida toda.
Esse misto de complexidade e mistério é ainda mais notável em alguns casos, como os dos autistas, por exemplo, os quais são superficialmente definidos por muita gente como indivíduos que vivem num mundo particular, uma ideia reconhecidamente falsa para aqueles que convivem com essas pessoas especiais.
Ultimamente, o autismo virou um assunto comum graças à novela Amor à Vida, na qual a atriz Bruna Linzmeyer interpreta a jovem Linda, portadora do distúrbio e subestimada pela mãe superprotetora. A trama traz à tona a importância da família para o tratamento, lembrando que ela precisa aceitar e abraçar a causa para poder compreender realmente o universo autista.
É difícil de chegar a um diagnóstico, e quando ele finalmente é alcançado a resistência dos pais em aceitá-lo (ou de acreditar nele) pode complicar a situação da criança, uma vez que quanto antes começam os esquemas de tratamento melhor será a evolução do caso. “Ainda não se pode falar em cura para o autismo, porém um trabalho sério, dedicado e especializado pode abrir portas que facilitam a vida destas pessoas e suas famílias”, diz a psicóloga Juliana Regina da Silva, pós-graduada em saúde mental.
Ela ressalta que há dificuldade da família de uma criança com sinais de autismo em acreditar no diagnóstico, dado o fato de que fisicamente a criança se apresenta perfeita. “Os pais vão começar a observar que há dificuldade com aquela criança porque ela vai começar a ter comportamentos diferentes. As pessoas falam que os autistas ficam no mundinho deles, mas não é isso. É que de alguma forma o nosso mundo não está chegando até eles”, explica Juliana.
Em Anita Garibaldi, a APAE Cantinho dos Sonhos possui quatro alunos com sintomas de autismo, os quais têm entre quinze e 22 anos. Os pais deles, inclusive, já foram alertados por especialistas sobre a situação dos filhos, entretanto ainda há casais que se recusam a acreditar na situação de seus filhos. “Temos uma sala na qual uma pedagoga trabalha com pessoas que apresentam o espetro autista. Além disso, a equipe multidisciplinar com neurologista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, fisioterapeuta e fonoaudióloga realizam um trabalho individualizado com cada aluno. A equoterapia é outra atividade que realizamos e ajuda a desenvolver bastante os autistas, uma vez que eles apresentam uma dificuldade de interpretar os estímulos que recebem e o contato com o cavalo é importante para o desenvolver isso. A comunicação alternativa também é trabalhada com esses alunos aqui na escola”, explica a terapeuta ocupacional da APAE, Kerly de Matia.
De acordo com ela, o método Teacch, desenvolvido para trabalhar as necessidades individuais de aprendizado da criança autista, não foi implantado na escola, uma vez que nenhum aluno tem o diagnóstico clínico, embora apresentem os sintomas. “Os pais que não aceitam que o filho é autista acabam contribuindo para que não haja diagnóstico. Com isso, não podemos fechar uma turma exclusivamente autista para que o método Teacch seja aplicado,” disse Kerly.
A terapeuta ressalta que mesmo quem não está matriculado na APAE pode participar dos trabalhos desenvolvidos na área clínica com a equipe multidisciplinar, desde que tenha autismo diagnosticado.
Os principais sinais do autismo nas crianças
Embora em muitos casos não seja simples chegar ao diagnóstico, sinais muito comuns aos autistas podem ser percebidos pelos pais durante o crescimento de seus filhos.
Há casos em que autistas podem apresentar desempenho em determinadas áreas do conhecimento com características de genialidade, entretanto o desenvolvimento da criança autista acontece de forma mais lenta se comparado com o de outras sem a síndrome. “Tem muitos autistas que participam, interagem, mas da forma deles, não como gostaríamos, não como as famílias ou a escola gostariam”, diz a psicóloga Juliana.
Ela destaca ainda que é importante a família observar o transtorno o quanto antes. Segundo ela, o ideal é que ele seja identificado durante o período de zero a três anos de idade. “Se você tem uma criança nessa faixa etária e ela não corresponde as brincadeiras que você faz. Se na fala dela você não consegue perceber o que é dito, pois as frases são sem conexão e com palavras soltas; se ela não interage ou não consegue ficar em contato com outras crianças e está sempre brincando com um objeto de modo repetitivo, pode ser que ela tenha o transtorno”, aponta Juliana.
A importância da família no universo autista
Com o diagnóstico, a família vive momentos de angústia, muitas delas ainda passam um longo tempo negando a realidade e indo em busca de curas milagrosas, mas após esse período elas passam por um processo de aceitação.
O processo terapêutico neste momento pode tornar esta trajetória menos dolorida, trazendo maior entendimento da situação e também auxiliando na busca de novos caminhos. “Toda família vai ter que aprender a lidar com seu filho autista. Cabe aos profissionais da saúde entender como se acontece esse processo e ajudar, quando necessário, dando suporte para que esta família não tenha prejuízos em seus relacionamentos, tanto sociais quanto familiares”, diz a psicóloga Juliana.
Com a aceitação do diagnóstico e a assistência especializada, os pais conseguem reorganizar suas vidas. Essa reorganização leva um tempo para ocorrer e pode variar de acordo com a maneira como eles encaram o autismo.
Sobre a dificuldade de se comunicar percebe-se que tanto a família quanto a criança encontram meios para se entenderem e pouco a pouco vão se conhecendo e se descobrindo uns aos outros.
A partir de um ano e nove meses, o filho da professora Cristiane Salmória e de seu marido Roberto de Souza começou a se comportar de um modo diferente do que vinha se comportando. De acordo com a mãe, ele já falava em torno de vinte palavras de modo correto, mas aos poucos começou a parar de falar e em dois meses já não se comunicava mais verbalmente. Os pais já estavam preocupados quando a criança começou a fazer alguns movimentos repetitivos com as mãos e os olhos. “Nossa primeira reação foi levá-lo ao pediatra e ele nos disse que o que estava causando isso era excesso de mimos. Durante um ano outros profissionais foram procurados, levamos ele em São Paulo, Florianópolis, mas todos diziam que era um tipo de bloqueio psicológico, até que um pediatra de Lages nos alertou que poderia ser autismo”, conta Cristiane.
Antes mesmo do primeiro diagnóstico ela e o marido começaram a ir atrás de informações para compreender melhor aquela questão e foram descobrindo que há vários graus de autismo, que no caso do filho deles é leve e por isso ele faz algumas coisas sem deixar transparecer o espectro autista. “Levamos nosso filho a uma psicóloga e então tivemos o primeiro diagnóstico, quando ele já estava com dois anos e seis meses. Nossa primeira reação foi a de uma desestrura pessoal, familiar, porque ainda não estávamos preparados. Ninguém está preparado”, revela a professora, dizendo que naquele momento a orientação psicológica para eles também foi fundamental. “No tratamento do autismo, a família é importantíssima. A família deve ser a base de tudo nessa situação, antes da escola, do psicólogo e dos outros terapeutas. A família deve entender o que é o autismo, aceitar, o que não é fácil; para que ele possa alcançar suas próprias conquistas e ser mais independente”, ressaltou ela.
A partir do diagnóstico, a criança já começou a ser tratada de modo diferente, como uma criança autista, e uma vez por semana é levada ao psicólogo e ao fonoaudiólogo. Além disso, por recomendações do neuropediatra, os pais estão procurando uma atividade física com a qual ele melhor se identifique para exercitar-se.
No mês que vem, o filho de Cristiane e Roberto completa três anos. Ele já frequenta uma escola regular e embora no começo se isolasse dos outros alunos, hoje ele já consegue ficar em grupo.
“Agora, depois de termos passado por todo esse processo de conhecimento e aceitação do autismo, vemos como ele está se desenvolvendo bem. Esperamos que nosso filho possa ser, acima de tudo, feliz. Quando somos pais sempre nos perguntamos o que nossos filhos vão ser profissionalmente, mas, na verdade, isso não importa. O que realmente queremos é que ele seja feliz”, disse Cristiane.
Diagnóstico
O diagnóstico é essencialmente clínico. Leva em conta o comprometimento e o histórico do paciente e norteia-se pelos critérios estabelecidos por DSM–IV (Manual de Diagnóstico e Estatística da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria) e pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças da OMS).
Recomendações
A psicóloga Juliana da Silva apresenta recomendações aos pais que desconfiam ou que tenham um filho com autismo diagnosticado. Veja abaixo:
Ter em casa uma pessoa com formas graves de autismo pode representar um fator de desequilíbrio para toda a família. Por isso, todos os envolvidos precisam de atendimento e orientação especializados;
É fundamental descobrir um meio ou técnica, não importam quais, que possibilitem estabelecer algum tipo de comunicação com o autista;
Autistas têm dificuldade de lidar com mudanças, por menores que sejam, por isso é importante manter o seu mundo organizado e dentro da rotina;
Apesar de a tendência atual ser a inclusão de alunos com deficiência em escolas regulares, as limitações que o distúrbio provoca devem ser respeitadas. Há casos em que o melhor é procurar uma instituição que ofereça atendimento mais individualizado.
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