Como na época de Sócrates, o filósofo tem a tarefa de fazer as questões que incomodam, de cutucar os cidadãos. Mesmo quando o cidadão está convicto de ter a verdade sobre uma determinada questão, o filósofo chega e questiona.
O que temos na escola ou na universidade como ensino da Filosofia, hoje, pode acontecer de duas maneiras: a primeira é uma maneira meramente histórica. Você pode simplesmente abordar com os alunos o que Kant escreveu, ou sobre teoria do Conhecimento, Teoria Moral etc., como se fosse História da Arte, História da Cultura, mas meramente de fatos, de acontecimentos. Mas também é possível tentar ensinar os alunos a filosofar. Segundo o próprio Kant, é o que se deve fazer (não se ensina Filosofia, se ensina a filosofar).
Conhecer o mundo – Recorrer a autores do passado é uma maneira para fazer os alunos pensarem autonomamente. Não é uma coisa inata: é algo que se aprende. Não estamos falando de um pensamento qualquer, mas de um pensamento específico. Um pensamento filosófico, ligado a uma compreensão conceitual do mundo no qual você tende a dar uma visão unitária, no sentido em que esses conceitos estão interligados e formam um conjunto coerente. Por isso, tradicionalmente, a Filosofia toma a forma de um sistema com todos os limites.
O sistema é uma forma de tentar encaixar a realidade nas categorias. E a realidade sempre foge. Por isso cada sistema é negado e substituído por um sistema sucessivo, até que chega um ponto em que o próprio sistema parece inadequado. E se passa uma filosofia aqui que não é sistêmica; porém o fato de os filósofos não serem mais sistêmicos não significa que são incoerentes. O filósofo tenta pensar o mundo através de categorias que sejam coerentes, que forme um conjunto coerente. Então é algo que se aprende, é uma técnica, e se aprende olhando como fizeram os outros filósofos, entrando num diálogo com eles.
Esse é o sentido de ficar lendo Platão, Aristóteles... Claro que não podemos aplicar as categorias de Platão ao mundo atual. O mundo atual não é a polis grega de Platão. Para sermos filósofos atuais, devemos conhecer o mundo atual e daí a importância de um conhecimento empírico. Quer no mundo da Física, da Biologia etc., quer no sentido da filosofia política. Ou seja, tem que olhar a sociedade assim como ela é de fato.
A tarefa do filósofo – Podemos imaginar um modelo bonito, utópico, do que seria uma cidade ideal. Mas não tem utilidade se depois não há como aplicá-la à realidade. Maquiavel critica essa maneira de pensar a política. A tarefa do filósofo é justamente esta: a de destruir as certezas. É uma tarefa basicamente destruidora. Acho que a primeira tarefa do filósofo é criticar o existente e, eventualmente, propor um modelo alternativo. A tarefa mais crítica, de colocar em questão as coisas consideradas meio óbvias, como dadas, naturais, já é uma tarefa importante.
O que prevalece no mundo de hoje é a ideia de que não tem como mudar. A tarefa do filósofo é perguntar: É mesmo? Não tem mesmo alternativa?”. Podemos pensar, sim, um mundo alternativo. Por exemplo, a questão do Brasil e da pobreza. No Brasil sempre houve pobres, desde o período colonial, com a escravidão etc. Tem que ser assim? A pobreza é um fato natural? A desigualdade gritante é uma fato natural ou podemos colocá-la em questão, discuti-la e eliminá-la? Essa é uma tarefa do filósofo: questionar as categorias que nos levam a achar natural que haja indivíduos que morram de fome, que não tem nada em casa, que moram na rua etc.
Agora, a maioria dos filósofos acadêmicos prefere ficar analisando a diferença entre a primeira e a segunda edição da Crítica da razão pura, que é importante, como instrumento, como maneira de exercitar a capacidade de afinar os conceitos, como meio, não como finalidade. Pois seria uma visão muito pobre da Filosofia. Esse é um instrumento para permitir à pessoa a dar-se conta de como os conceitos podem mudar até na pessoa nobre; de como um autor pode ficar consciente de seus limites a respeito de uma determinada posição e tentar mudá-la.
Referência:
PINZANI, Alessandro. Ser filósofo é questionar. Jornal Mundo Jovem – Fevereiro/2012. Porto Alegre, fevereiro/2012.
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